28 abril 2006

Adeus, Seu Guilherme

Ontem não escrevi neste blog, como alguns podem ter notado.

Estava no RJ, no funeral do compositor Guilherme de Brito, que havia falecido na quarta à noite.

Foi marcante, já que um dos maiores orgulhos da minha vida profissional foi ter participado de seus últimos projetos em vida, e ter podido conviver de perto com aquele que semeou (ao lado de Nelson Cavaquinho) no inconsciente coletivo nacional reflexões poéticas sobre amor, traição, vida e morte, sem jamais ter perdido o romantismo.

Frases como "me dê as flores em vida", "sei que alguém vai chorar por mim através de um pandeiro e de um tamborim", "tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor", "a todos aqueles que me estenderam a mão dividi meu coração", "és uma garça sem ninho e pensas que o lodo é o teu bom caminho", "há sempre um judas com dinheiro na mesa de qualquer casal", "organizaste uma festa em mim", dentre tantas outras, ao longo dos anos, moldaram o imaginário popular na época áurea do samba. E ainda hoje resistem.


foto: Marco Terranova

Através da gravadora Lua, ajudei o Moacyr Luz a produzir seus dois últimos discos, "Samba Guardado" (2001), que o resgatou para a cena musical brasileira após muitos anos de ostracismo e que trazia vários sambas inéditos, e "A Flor e o Espinho" (2003), antologia de carreira emoldurada por elegantes arranjos do Trio Madeira Brasil.

Os dois projetos causaram grande impacto, e resultaram em capas e capas de jornais e diversas matérias pelo Brasil afora, recolocando Seu Guilherme no seu devido lugar dentro da MPB.

Pouco antes disso, em 1999, a gente o havia trazido para se apresentar no Villaggio, depois de mais de sete anos sem pisar na Capital paulista, retornando posteriormente. Nem preciso dizer que foram noites antológicas, de casa absolutamente lotada, grandes emoções - enfim, uma verdadeira maravilha.

Nessa época aprendemos a respeitar e a adorar Seu Guilherme, por sua índole serena, sua personalidade amorosa, seu humor ferino, sua inteligência aguda. Quem conversava com ele, se apaixonava na hora.

Não havia oportunidade em que, ao me reencontrar, não perguntasse de cara: "e o garotinho?", se referindo a meu filho, que pegou no colo aos quatro meses de vida (felizmente tenho essa foto).

Quando ele veio para o segundo show, em 2000, lembro-me de uma entrevista para a Folha - que recebeu, acreditem, uma página inteira da Ilustrada de sábado -, quando o então "temido" (e hoje amigo) crítico Pedro Alexandre Sanches, ao final de um poema recitado pelo mestre, diante de tanta ternura, simplesmente foi às lágrimas.

Às lágrimas fomos todos ao final das gravações de Samba Guardado, num estúdio na Lapa carioca, dia em que a também saudosa Cássia Eller foi colocar voz na sua participação especial e se encantou - claro - por ele.

No segundo disco, a grande emoção foi eu ter ido à sua casa, um apartamento muito simples em Bonsucesso, escolher um de seus quadros (era ótimo pintor) para ser a capa do CD; dei sorte, de cara vi um auto-retrato que acabou sendo perfeito. No entanto, o que mais me comoveu foi a alegria dele ao receber minha visita, não querendo me deixar ir embora de jeito nenhum.

Pra fechar, um show memorável no teatro de São Sebastião, dentro do projeto Maré MPB em 2003, onde mais de 400 pessoas (que o viam pela primeira vez) o aplaudiram de pé por vários minutos. Mais lágrimas.

Guilherme de Brito vai deixar muita saudade, como sempre previu.

Fica aqui seu grande pedido, em Quando Eu Me Chamar Saudade, aliás entoada em coro no funeral por amigos como Moacyr Luz, Beth Carvalho, Monarco e outros:
Mê dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais

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