04 setembro 2006

Pra não dizer que não falei do BB


Ontem, fui ao aniversário de 60 anos do Villa - o "Pretinho" - meu compadre (de verdade) e ex-colega do Banco do Brasil, na época da agência Sete de Abril. Lá, outros ex-colegas, e as inevitáveis recordações, do tipo "e o fulano, tem visto?", "siclana? morreu ano passado"...

Pois é, depois dos quarenta, esse tipo de conversa começa a ser cada vez mais comum.

Essa galera da Sete de Abril foi especial. Foi lá que tomei posse, quando me mudei pra São Paulo, final de agosto de 1985. Antes, tinha sido "menor-aprendiz" (um tipo de office-boy), depois concursado, escriturário e caixa na agência de São Sebastião, onde trabalhei de março de 1978 a meados de agosto de 1985 - meu primeiro e único emprego, até então.

Uma grande escola, melhor do que muito curso de administração por aí. Não sei hoje, mas "na minha época" o BB era um exemplo de organização, metodologia, treinamento, quadro de carreira - e bons salários. Pra se ter uma idéia, eram 3.000 agências e mais de 100.000 funcionários, que seguiam rigorosamente um complexo sistema de instruções circulares vindas periodicamente da direção geral em Brasília - e tudo funcionava.
Vejam bem, estou falando de um tempo sem internet e e-mail. Nem fax existia, era tudo por malote ou telefone mesmo. Havia, sim, o telex, mas este era restrito devido ao custo.

Em São Sebastião, no BB, me formei como profissional (alô Ailton, Miguel, Maurício, Rocha, Leles, Rui, Osvaldo). Aprendi a redigir, em meio às centenas de memorandos e textos que lia e escrevia para tudo que era departamento e agências no Brasil. Aprendi como funcionava uma hierarquia, como trabalhar com método, com organização; como lidar com papelada, com documentos importantes. Absorvi ótimas noções de contabilidade, de área trabalhista (fui responsável pelo RH por uns dois anos - alô, musa Maria Inêz) e tributária; de como lidar com caixa, com dinheiro, com pagamentos e recebimentos. Enfim, conceitos muito bem fundamentados, que me ajudam demais até hoje, em tudo o que faço.

Aprendi também o que era "happy-hour" (alô Cezar, Léo, João Francisco, Jamir, Geribello, Angela)...

Como estava dizendo, em 1985, aos 22 anos, cansei da cidade pequena e resolvi arriscar a metrópole, que já me fascinava. Larguei casa da mamãe, comida na mesa, roupa passada no armário, bom salário, carro e as belíssimas praias ensolaradas, e me transferi pra São Paulo, com pouco dinheiro, sem cargo e sem casa - dependendo de amigos pra me hospedar.

Pra minha grande sorte, fui cair na agência mais especial do Brasil, o que nem imaginava. Só depois fui ter noção de que a Sete de Abril era um núcleo diferenciado no BB: por uma série de motivos e coincidências, ali havia um grupo altamente intelectualizado e unido; gente culta, alto-astral, boêmia, politizada e amiga.
Eram mais de 100 funcionários, distribuídos por quatro andares naquele prédio do centrão. Não se sabia exatamente como, nem era algo muito planejado, mas lideranças de cabeça boa acabavam por "contaminar" quem chegava. Com isso, cortava-se, pela raiz, eventuais "projetos de malas".
Eu, novinho e vindo do litoral, fui rapidamente adotado pelo pessoal: uma me hospedou na sua casa e me passou depois o aluguel (alô, Roselly!); outro foi meu fiador (alô, mineirinho Wellington!); outros me emprestaram grana (alô, baiano Giba!). Os chefes facilitavam pra que eu estudadasse prum concurso interno (alô, mestre Candão!); bebia diariamente com todos na "sub-agência", um boteco pé-sujo inesquecível que ficava numa galeria entre a Sete de Abril e a Barão de Itapetininga (alô, Carlão, Ciro, Paulo Arruda, Zequinha, Aninha, Ananias, Goro-sam!) e onde se comia um horroroso p.f..
Enfim, estava em casa. A turma gostava do meu jeito "garoto caiçara" - musical, boêmio potencial. Dali, rapidamente, lá estava eu formando grupos pra sair à noite, rumo ao Bixiga da época - uma espécie de Vila Madalena de hoje (ê, saudade).

Graças a esses malucos, virei grevista de carteirinha e, na minha quitinete ali perto, rolavam grandes "macarronadas sindicais" (alô, Bina! alô, Chiquinho, parceiro de violão!).

O time era grande, mas ainda dá pra citar mais alguns: meu professor, o Tafarello; os saudosos Flávio, Lorimer e Gugu (este tá perdoado...) - todos já no primeiro andar, junto com a linda japonesinha Lalá e o temido subgerente Pacheco. A "sexy" mestiça Maura; os brothers Alexandres (o preto e o branco) e Rogério - parceiros de baladas juvenis -; as bravas Veras (Tereza e Regina); as "musas" Luciana, Cristina e Gilda; o impagável boca-suja Barossi; o severo (pero-no-mucho) Boito; o esquisitão e falante Altevir; o gerentão Brazan (que, contra tudo e todos, reconheceu meus méritos); a colônia japonesa (alô Hisae, Galdino, Lurdinha, Dora, Irene, Lúcia, Tarsila, Emiko, Jany); os educadíssimos Ricardo, Ivan e Alfredo; os tímidos Natalino e Divina. E outros personagens marcantes que, certamente, deverei estar me esquecendo (desculpem).

Nem que eu viva cem anos, encontrarei um ambiente de trabalho com tantas pessoas especiais.

Uma dessas era o Villa, que fez aniversário ontem. Entre uma cerveja e outra, há 20, anos acabei sendo convidado para ser padrinho do seu primeiro filho homem, Villa Júnior. O "Xará" (assim fui apelidado, pois ele também é Zé) foi um grande e sincero amigo. Ainda o é, apesar dos caminhos diferentes que nossas vidas tomaram.

A Sete de Abril foi mais uma das minhas boas escolas. Pisei em SP com o pé-direito, conhecendo, ao lado dessas figuraças, muitas das manhas do centro da cidade (ah, sim: morei no lendário Copan por mais de dois anos, o que facilitou bastante essa tarefa): suas ruas, praças, bares, restaurantes, puteiros, comércio...todo seu charme irresistível.
Ainda hoje me emociono ao passear pela Av.São Luís; pela Ipiranga, Barão, 24 de Maio, Anhangabaú, Viaduto do Chá. Ali era meu território: chope no Baloon, cafezinho no Floresta, sanduíche no Guanabara, bolinho de camarão no Bologna, abobrinha recheada no Almanara, feijoada sábado no Hilton, compras no Mappin (cujo carnê a gente chamava de "atestado de pobreza"), filé à cubana no balcão do Califórnia, show de graça no Caetano de Campos - no Projeto Seis e Meia, filme-cabeça no Cinelube Oscarito, bares musicais no Bixiga (meu maior prazer). E, de vez em quando, donzelas no Vagão Plaza.

Depois de cinco anos na Sete, acabei sendo promovido: em 1990, fui nomeado chefe-de-seção na recém-inaugurada agência Praça Dom José Gaspar. No mesmo pedaço, onde vivi mais três ótimos anos com outros grandes amigos (alô, Araci, Luciana, Jeffinho, Isabel, Leila, Júnior - e Lalá, de onde estiver...) - e tivemos bastante sucesso profissional. Ali fui coordenador dos caixas, tesoureiro, gerente de atendimento e substituto de gerente geral.
Na Dom José nasceu o Villaggio, já que meu primeiro sócio foi meu chefe na época (alô, João Ricardo: nunca me esquecerei da sua lealdade!).

Realmente, foram oito anos inesquecíveis.

Em setembro de 1993, fui novamente promovido, chegando a Gerente de Negócios na Superintendência Estadual. Cargo de status: Avenida Paulista-17º andar, salas acarpetadas e silenciosas, terno-e-gravata, etc. e tal (alô Wilham, Laerte, Ronaldo, Valdir, Inácio! Grandes noitadas no Ciao, regadas a margueritas e cerveja importada...). Chiquérrimo.
Paradoxalmente, ali começou meu desencanto com a carreira, pois, já bebendo da fonte da melhor MPB no Villaggio, sabia que pra continuar no Banco, naquele nível, não poderia me dedicar ao bar. E, realmente, foi muito difícil conciliar. Fiquei um ano na Super - como chamávamos - e decidi abrir mão de tudo aquilo.

Ou quase. Um tanto inseguro, ainda tentei voltar pra uma agência: fui caixa por seis meses na Brigadeiro (alô, Levi!), mas não deu - mesmo. Em junho de 1995, no mesmo dia em que o Villaggio completava três anos - com festa e show de Lula Barbosa - me despedi do Banco do Brasil, após 17 anos de carreira.

Não me arrependo. Aliás, tenho consciência de que foi a melhor coisa que podia ter feito. Aos 32 anos, se não virasse minha vida naquele momento, talvez não o fizesse nunca mais. Hoje, com tantos shows realizados e CDs lançados, sinto que escolhi o caminho certo. A vida financeira é certamente mais insegura, mas a satisfação - sem dúvida - é maior.

Enfim...lembranças existem para serem vividas. Ontem, foi mais uma dessas "sessões". Valeu.

Parabéns, compadre Vila. Agora, rumo aos 70!!"

5 comentários:

Anônimo disse...

Alô Zé, obrigado pela lembrança! Como vc comentou, a vida nos leva prá lugares diferentes, mas a amizade permanece. Abração!

Levi

Zé Luiz Soares disse...

Rapaz, cê acredita que me emocionei escrevendo tudo isso?...

Nada como rebobinar a fita de vez em quando.

valeu, irmão. Outro abraço.

Anônimo disse...

Alguns encontros são pontuais, caracterizados pela proximidade física. Outros não... são encontros mentais -- ou espirituais -- e atravessam o tempo, desprezando o espaço. São estes que ficam gravados na fita que, vez por outra, rebobinamos com emoção. Bjs, Ro

zé américo câmera disse...

Belíssimo texto Zé Luiz, como só era de esperar.
Adorei o sanduíche no Guanabara, bolinho de camarão no Bologna, abobrinha recheada no Almanara, feijoada sábado no Hilton. Quitutes que também tive o privilégio de partilhar. Faltou o suco com cachorro quente da casa Califórnia na rua São Bento, mas tudo Bem.
Só por curiosidade: a agência da Sete de Abril era do lado da Telefônica, ou lá pelos lados dos Diários Associados?

Zé Luiz Soares disse...

Obrigado, Zé.

O BB era (e ainda é) ao lado da Telefonica, quase na Ipiranga.

grande abraço.