Falei que ia encerrar o assunto, mas não dá.
Ontem passei o dia macambúzio. Fiquei pensando em como a vida tá caminhando pra ser uma coisa besta. O tal do "politicamente correto" aos poucos vai acabando com a cultura brasileira do bom-humor, do papo descontraído, das idéias interessantes, da fraternidade.
Ser dono de bar hoje equivale a ser quase um criminoso: é Lei do Silêncio, fechamento à 1h da manhã, Lei Anti-Fumo, Lei Seca, fiscalizações de todo o tipo, restrições e mais restrições.
Rodízios nos proibem de ir-e-vir; câmeras nos vigiam em elevadores, lojas e ruas; piadinhas ingênuas viraram ataques racistas inafiançáveis; aquela furadinha no sinal vermelho de madrugada dá multa pesada; bobeou, falou no celular dirigindo, outra multa; passar de 80 km numa retona livre da Tamoios te ferra (levei multa a 82 por hora), e por aí vai. E a soma dessas multinhas bestas dão perda da carteira.
Um texto impulsivo ou uma foto idem num blog pode resultar em ação indenizatória.
Paquerar a funcionária gostosa que dá mole é "assédio sexual". Dar bronca no funcionário relapso é "assédio moral". E tome processo.
Tá tudo muito chato: música é barulho; imprensa é rabo preso; personalidades são top-models; lazer é shopping-center; futebol é Campeonato Europeu; TV é Big Brother; brinquedo infantil é vídeo-game; padaria da esquina, fast food. E papo é pelo MSN, e-mail ou celular.
Ontem, dois clientes do bar que estavam doidos pra tomar um chope, relutavam, com medo de serem pegos. No final mandaram tudo às favas e saíram na madruga de garganta e alma lavadas. Que se dane o bafômetro, disseram. Quer saber mais? O bar estava cheio, todo mundo bebendo pra valer, se divertindo e cantando como se num protesto contra essa nova imbecilidade.
Tirando os nazistas e mal-amados, a revolta é geral com essa tal tolerância zero. Prova disso é este texto que acabei de colher, escrito pelo renomado crítico gastronômico Josimar Melo. O cara pensa igualzinho a mim e, tenho certeza, como a grande maioria da população:
Lei seca é elitista, reacionária e semeia a corrupção
Mais uma estupidez assola o Brasil, esta lei seca disfarçada em medida moralizadora. A moral dos reacionários e dos xiitas, que só vai levar mais água (sem álcool) para o moinho da pequena corrupção do dia-a-dia.
Qual o espírito da lei? O de punir os bêbados no volante, gente irresponsável e criminosa que merece mesmo o fogo (não o da bebedeira, mas o do inferno)? Não, esse não é o espírito dessa nova lei, pois esse espírito já existia na antiga lei: o Brasil já tinha leis que coibiam bêbados no volante -- puniam motoristas que tivessem mais do que 6 dg de álcool por litro de sangue. Para se ter uma idéia, isso já era mais rigoroso do que os limites em vigor em países como Canadá e Estados Unidos (que permitem até 8 dg por litro).
Qual era a diferença entre, por exemplo, o Brasil e os Estados Unidos? A diferença era que lá a quantidade de álcool permitida era maior (e não suficiente para embebedar ninguém), mas a fiscalização era, e é, séria. Mesmo podendo ter 8 dg de álcool por litro de sangue, os norte-americanos são muito cuidadosos com suas taças de vinho se vão dirigir, pois sabem que podem ir para a cadeia mesmo.
O que fizeram os moralistas do Brasil? Nossa taxa permitida já era menor do que a americana; o que faltava era simplesmente aplicar a lei -- fiscalizar e punir. Ah, as punições eram mais brandas; concordo plenamente em que fossem aumentadas, como agora. Mas não: no lugar de fiscalizar e punir, o governo (com uma base parlamentar para isso) preferiu tornar o país mais xiita e corrupto, colocando um limite de álcool que equivale, na prática, a proibir qualquer consumo de bebida alcoólica para quem vai dirigir.
Quais as consequências disso?
1 - A primeira, se a coisa pegar, é atacar uma tradição cultural atávica da humanidade -- a de beber socialmente, confraternizar com a bebida. Tradição que data da remota antiguidade, presente nas festas das colheitas, nas celebrações religiosas, nas comemorações das conquistas. A depender da lei, um jantar de vários casais na casa de amigos ou num restaurante fará com que metade dos presentes fique na Coca-Cola, destruindo seu prazer gastronômico e o clima de compadrio. E impondo o rigor disciplinar, a sobriedade careta, que religiões e moralistas de vários matizes adoraram ter como regra para uma humanidade disciplinada e domesticada.
2 - A segunda, se a coisa pegar, é inserir uma clivagem separando ainda mais os mais ricos dos demais. A lei poderá ser seguida por quem tem dinheiro para sempre pagar taxi e motorista particular -- ou seja, o prazer de beber em condições normais, fora de casa, será preservado para esta elite. O resto, que não tiver dinheiro para vários taxis semanais, e na inexistência de verdadeiro transporte público, terá que agir como pária, transgredindo sistematicamente a lei.
3 - A terceira é que, mais provavelmente, nossa lei seca terá efeito parecido ao de sua antecessora nos Estados Unidos: o incentivo ao crime e à corrupção. Ali, nos anos 20 do século passado (1919 a 1933), a bebida alcoólica foi proibida. Sendo o consumo do álcool um hábito cultural arraigado, obviamente as pessoas continuaram a beber -- mas foram obrigadas a fazê-lo fora da lei. Para beber, precisavam pagar para as quadrilhas que dominavam o tráfico. Estas ficaram ricas e poderosas, e a corrupção e a criminalidade milionária medraram como nunca. No Brasil a proibição é mais localizada, não deve chegar à criação de quadrilhas como as de lá, mas considerando nossas tradições, dá para prever que a corrupção é quem vai sair ganhando. Enquanto fazem estas iniciais blitze cinematográficas, vai ser difícil ver casos de policiais se corrompendo. Mas no dia-a-dia daqui pra frente, quando um guarda parar um cidadão que está guiando normalmente, está sóbrio, mas saiu de um restaurante, o bafômetro pode muito bem ser acionado. E é bem provável que o cidadão que tomou duas taças de vinho com a comida, para não ir para a cadeia, resolva pagar ali mesmo os R$ 1.000 que terá que pagar de qualquer jeito se for para a cadeia. Uma propina bem atraente.
Quanta estupidez! É óbvio que os tantos casos de matança provocada por bêbados no volante foram perpetrados por gente realmente bêbada -- com muito mais do que os 8 dg/litro de álcool tolerados nos Estados Unidos. É sobre os bêbados no volante que deveria se voltar a fiscalização. O novo limite imposto no Brasil é na verdade um ataque disfarçado ao consumo puro e simples de bebidas alcoólicas -- medida de muito gosto para xiitas religiosos de várias facções, e moralistas políticos de todas as colorações. Assim caminha, para trás, a humanidade.
P.S. - Se alguém quiser beber acompanhado de boa comida, pode consultar meu novo site em fase de implantação, uma versão eletrônica do meu guia de restaurantes do Brasil. Bom apetite!
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Um comentário:
Tudo, menos macambuzio!
Ummmmm que delícia lavar a garganta e alma com um chopp bem gelado e se acompanhado de gente bacana aí fica perfeito!!!!
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