Não tenho bem certeza, mas acho que foi no mês de março. O ano, eu sei que foi 1997. Voltava de viagem, numa segunda-feira à noite, quando, ao sintonizar a rádio Musical FM na estrada, já perto de SP, comecei a ouvir um programa de entrevistas chamado Boa Safra. Comandado pela jornalista Miriam Ramos, durava uma hora e trazia, toda semana, dois artistas chamados "alternativos" que, em blocos diferentes, falavam sobre seu trabalho e mostravam faixas de seus discos.
Naquele exato momento, tive a idéia de propor uma espécie de parceria Villaggio-Boa Safra, obviamente sem poder pagar nada, mas - quem sabe - na base da permuta com nosso cardápio, já que a Musical era vizinha do bar.
Deu certo, e o Villaggio passou a ser o primeiro (e único) apoiador do programa. Muito pela identificação que a Miriam teve com nosso trabalho, de apostar na MPB alternativa e nos novos (ou esquecidos) talentos. E também pela grande afinidade pessoal que surgiu, imediatamente, entre a gente.
Foi mais uma "virada" na história do bar: durante muito tempo o slogan "Programa Boa Safra. Apoio: Villaggio Café, o lugar certo da MPB em São Paulo" foi ao ar, em diversos horários, numa época em que a Musical era o maior e melhor espaço de MPB na mídia radiofônica em São Paulo e, por tabela, no Brasil. Com uma proposta inovadora, cara de rádio grande, locutores e vinhetas modernas, promoções, bom sinal e áudio e bom alcance, marcou época no meio musical, sendo a responsável pelo lançamento de nomes como Zélia Duncan e Chico César, entre outros.
Com a Musical bombando, o Villaggio também aumentou sua visibilidade. Além disso, a parceria previa que artistas que fizessem shows na casa tivessem - uma vez por mês - espaço assegurado no Boa Safra para entrevista. Com isso tudo, passamos a ser mais procurados do que nunca, e isso facilitou o trabalho de fazer uma grade mais extensa, com shows a semana inteira.
Algum tempo depois, a Miriam saiu da Musical e levou seu programa, sem que outra emissora abraçasse o projeto. Continuamos mais um tempo lá graças à (querida) Tânia do departamento comercial, mas em 1999 a rádio foi vendida para um grupo evangélico, deixando uma lacuna na cena musical alternativa que nunca mais foi preenchida. Eu, inclusive, sou adepto da teoria de que o fim da Musical fechou a última grande porta da mídia para a boa MPB no Brasil. De lá pra cá, as coisas só pioraram.
Continuando, com a ajuda da emissora, foram muitos nomes em 1997. Para ilustrar: Fátima Guedes, Túlio Mourão, Capinan, Daniel Gonzaga, Nelson Angelo, Simone Guimarães, Claudette Soares, Laura Finnochiaro, Edvaldo Santana, Luli & Lucina - e por aí foi.
Em dezembro, fizemos uma homenagem ao letrista Costa Netto, recebendo em nosso palco seus parceiros e intérpretes, como Roberto Menescal, Walter Franco, Eduardo Gudin, Vânia Bastos, Vicente Barreto, Daisy Cordeiro, Tutti Baê, Márcia Salomon e muitos outros. Noite inesquecível.Uma curiosidade: o Thomas Roth - que eu ainda não conhecia - também participou, e, provavelmente nessa data, com o início da nossa amizade, começou a nascer a gravadora Lua Discos (depois, Lua Music).
Um pouco antes, em outubro, tínhamos feito uma bela parceria com a gravadora Dabliú - do mesmo Costa Netto - para a primeira edição do projeto "Cadê a MPB?", quando, em duas semanas, apresentamos os artistas do cast da gravadora. Nomes como Kléber Albuquerque, Juca Novaes & Eduardo Santana, Cássio Gava, Silvana Stiévano, Carlos Navas, Élio Camalle, Madan, Antonio Farinaci, Lucila Novaes, entre outros. O "Cadê.." gerou grande espaço na mídia impressa, e teve reedição em 1998, com outros nomes.
1997 foi também o ano em que foram dados os primeiros passos para mais uma das nossas "viradas": o ressurgimento do samba carioca, em São Paulo e - pasmem - até no Rio. Em julho, o compositor Moacyr Luz fez sua primeira apresentação no Villaggio e, ainda que não tivesse se tornado um sambista em tempo integral como é hoje, já dava claros sinais de que isso seria uma questão de tempo. "Moa" se tornou nosso grande amigo e trouxe inspirados - e definitivos - ares cariocas ao bar. Por outros caminhos e coincidências, realizamos, no final desse ano, nossos dois primeiros grandes shows de samba, com duas lendas nacionais: Nelson Sargento (obrigado, João Paulo e Cidinha) e Zé Ketti (este já dava "canjas" regulares nas rodas de choro dominicais), com matéria no Guia da Folha e tudo.
O samba deu a tônica na casa nos seis anos seguintes, mas...isso fica pro próximo capítulo, quando finalmente sairemos deste longo 1997 - que consumiu dois posts inteiros - e viraremos o calendário.
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3 comentários:
amei vc ter colocado todos nós nessa história. que delícia relembrar. saudades e beijos
Marcinha, vocês SÃO essa história!
outros beijos, e vê se aparece na área, tb. tô com saudades.
Amigos,
recebi hoje este comentário da querida Miriam Ramos, e, claro, tenho maior prazer em registrá-lo aqui.
abs
Zé Luiz
25/10/2007
Olá Zé Luiz, aqui a própria Míriam Ramos idealizadora do Programa Boa Safra veiculado pela extinta Musical FM.
Fiquei surpresa e orgulhosa em encontrar a sua versão do fim do Programa Boa Safra na Musical FM, destacando a importância do projeto para o crescimento do Villagio.
Continuo atuando junto a música brasileira- Membro da comissão de Música da Associação paulista dos Críticos de Arte. Ora tocando boa música para um público elitizado equalificado (Rádio USP FM) , Ora tocando para o povão, o que os emociona (Rádio Record AM). Sempre divulgando esta arte nacional e abrindo espaços para sua veiculação.
Aqui, eu gostaria de dar a minha versão sobre o fim daquela fase incrível da música independente, quando muita gente nova foi projetada.
Naquela época, os CDs de artistas desconhecidos eram empilhados pelos cantos , não só da Musical FM, mas também das outras poucas emissoras que executam MPB nesta cidade. Com exceção da Rádio USP FM, que hoje conheço de perto. Na USP FM o Coodernador Musical Ricardo Sanches e a equipe dele, sempre respeitaram os artistas novos e desconhecidos.
A Rádio USP FM recebe todos os CDS, ouve, seleciona o melhor e bota na programação SEM COBRAR JABÁ.
Voltando a Musical, devido a ótima repercussão da iniciativa Boa Safra naquela emissora,os dirigentes chegaram ao ponto de registrar o Boa Safra nas Marcas e Patentes e superfaturar o projeto no processo em que solicitávamos os benefícios da Lei Rouanet em nome de um terceiro que eu nunca tinha ouvido falar. Um possível laranja, afinal...sempre foi recurso conhecido entre o poder.
Como meu anjo é forte, eu consegui descobrir a armação à tempo e o Departamento Jurídico do Ministério da Cultura me deu ganho de causa para permanecer com a autoria e responsabilidade do Projeto Boa Safra.
Fase desgastante essa.Sai da emissora
Passaram-se 3 meses, os dirigentes anunciam que a Musical FM - da noite para o dia - seria uma rádio evangélica.
Então, os ouvintes revoltados resolvem fazer justiça e se unem para criar o movimento dos Órfãos da MPB.
Oportunidade para jornalistas e simpatizantes liderar o movimento(que se transforma em ONG).
Usando o pretexto de que falta espaço para a MPB, o grupo negocia com a diretora da época da Rádio USP FM para tocar a Nova Safra naquela emissora. (Como já diziam, nada se cria, tudo se copia).
O barulho durou pouco.
Quem estava nos bastidores, como eu, sabe muito bem que os diretores da Musical FM deixaram de carregar a bandeira da MBP porque essa causa não dava dinheiro.
Mas a emoção tomou conta do movimento dos örfãos da MPB e eles ficaram achando culpados...no caso os evangélicos que tinham o dim dim para resolver o problemas dos donos do grupo L&C.
? Concorda, que se os dirigentes da Musical FM não estivessem no vermelho e sim faturando muito, jamais venderiam a rádio??
A decisão foi objetiva, racional e visava negócios.
Há que se deixar de lado o romantismo e entender que deixar órfãos os ouvintes de MPB foi uma decisão estudada e comercial.
Dias atuais: 25 de outubro de 2007, a Nova Brasil FM está atendendo à este público orfão da MPB. Pergunta. Kléber Albuquerque, Moysés Marques, Carlos Navas...só pra citar alguns nomes da Boa Safra da música brasileira. A Nova Brasil FM toca essa Boa Safra da música brasileira???
Recentemente no programa Visita Vip que apresento na Rádio USP recebi os talentosos amigos Luis Bueno e Fernando Mello (Duofel)eles explicam o que é que precisa acontecer para que a música brasileira toque nas emissoras comerciais. Para conferir a verdade, com um pouquinho de pimenta, é só acessar o site www.radio.usp.br Programa Visita Vip Ediçào 24 de outubro
Zé, grande abraço
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