14 novembro 2007

Paris, Texas: 22 anos depois

Domingo à noite, enquanto aguardava um telefonema que acabou não vindo, tava zapeando pelos Telecines da vida e dei de cara com um filme que acabou salvando a noite.
Paris, Texas é de 1984 e eu o assisti em 1985, logo que cheguei em SP. Na época, com apenas 21 anos e vindo do litoral, não tinha noção do que era cinema de arte, nem curiosidade. Na verdade, o que me levou a ele foi um papo com um colega de BB que havia acabado de conhecer, o Carlão. No botequim, falávamos das musas do cinema e o amigo, entusiasmado, dizia que eu precisava conhecer sua preferida, Nastassja Kinski, a mais bela de todas, etc. e tal - que, por acaso, estava em cartaz na cidade.
Testosterona à frente, lá fui eu sozinho num desses cinemas do centrão, que hoje não existem mais, conferir se a moça era tudo aquilo mesmo.

Lembro-me que, ansioso por vê-la, fiquei um pouco irritado com a lentidão do filme e com a demora pra diva aparecer, o que só aconteceu no final.
Acabou valendo a pena, pois mesmo por apenas três cenas - e talvez por isso -, sua beleza extraordinária foi de tal maneira impactante que acabei também virando fã e passando a assistir a todos os seus filmes, como Tess, A Marca da Pantera, Infielmente Tua, Os Amantes de Maria e tantos outros.
Já do filme - vida que segue - acabei me esquecendo. E agora, 22 anos depois, o revi quase sem querer.
Que bom que a gente amadurece, certo? Rever Paris, Texas com olhos de 44 foi completamente diferente. Hoje posso dizer que trata-se, sem dúvida, de verdadeira obra de arte. Roteiro, direção, fotografia, trilha sonora, interpretações; tudo ali se encaixa com uma precisão de tirar o fôlego.
Uma história aparentemente banal vira um épico, uma viagem por ícones americanos - desertos e grandes cidades como se fossem a mesma coisa, tudo se confundindo. Um homem desiludido e sem perspectivas, ao mesmo tempo em que não espera mais nada da vida, aproveita a chance de acertar contas com seu passado, ainda que saiba que continuará sem nada. Vai fundo assim mesmo, faz o que acha que tem que fazer e sai de cena novamente - num dos momentos mais belos e tristes da história do cinema. Difícil não ir às lágrimas. A interpretação do veterano Harry Dean Stanton como o pai e alcóolatra Travis é simplesmente antológica - abrindo e fechando o filme -, dando a real dimensão da solidão humana, chocante e dolorosa.
La Kinski cumpre sua missão: retratar a mulher de beleza estonteante que não sabe como viver com isso, sempre achando que deve ter algo melhor pelo mundo e acaba se perdendo de vez. E tem - ironicamente - através daquele que mais magoou, a chance de retomar sua vida.
O roteiro de Sam Shepard é daqueles que todos nós um dia acabamos vivendo ou presenciando, mas que pelas mãos do (genial) alemão Wim Wenders ganha contornos de road-movie dos bons, ajudado pela fotografia especialmente feliz - com grandes planos e poucos closes, como se a idéia fosse não chegar muito perto da intimidade dos personagens.
A trilha sonora reforça o clima: apenas alguns acordes de guitarra folk em momentos exatos onde se precisa dela, aumentando a sensação de solitude e vastidão dos desertos, das cidades - e das pessoas.
E o que me irritou em 1985 foi o que mais me agradou agora: a lentidão, a falta de pressa e os "silêncios" entre as cenas e as falas. Tempo necessário pra degustar cada momento, processar as imagens na cabeça, refletir sobre o que está acontecendo.
Perfeito e atual mesmo após tantos anos, como só os clássicos o são. Ganhou vários prêmios e foi o maior sucesso comercial de Wenders.
Quem tem Telecine Cult aproveite que está em cartaz. Assisti novamente ontem e o farei novamente, se pintar na telinha. Pros demais, certamente tem em alguma locadora: taí uma opção pro feriadão off-praia.

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