20 fevereiro 2008

Fidel por Fernando

Apenas pra não passar em branco a notícia maior da semana, colo aqui entrevista que o escritor Fernando Morais deu ao pequeno diário Imprensa Livre, da minha também pequena - e amada -São Sebastião.

Acho que o texto diz tudo. Boa leitura:

A renúncia de Fidel Castro na visão do jornalista e escritor Fernando Morais
Luciane Teixeira
Litoral Norte

Inúmeras manifestações na imprensa mundial repercutiram a renúncia de Fidel Castro ontem. Depois de exercer o poder em Cuba durante quase cinco décadas, ele sai de cena no poder e vira um “mito vivo” como afirmou o presidente Lula. Um homem na luta incansável de resistência aos Estados Unidos. Certa fração da sociedade intelectual brasileira – aquela que se considera de esquerda e, a esse título, se apresenta como aliada de Cuba socialista – não deixou de demonstrar sua comoção com o agravamento do estado de saúde de seu líder favorito há dois anos e agora com a renúncia de Fidel Castro.

O jornalista e escritor Fernando Morais, responsável pelo sucesso das mais importantes biografias brasileiras, lançou, na década de 70, “A Ilha” - uma reportagem sobre Cuba, que também tornou-se um dos maiores sucessos editoriais brasileiros e se converteu num ícone da esquerda brasileira nos anos 70 e foi reeditada em 2001. Fernando Morais se encontrou com o líder cubano 20 vezes em 35 anos e guarda na memória muitas passagens da vida de Fidel. “Eu sinto que ele tenha tido que renunciar, porque mais do que ninguém ele sabe que está sem condições físicas. Mas nada muda”, responde em relação ao sistema de governo. Segundo ele, as análises políticas, muitas vezes, demonstram a vontade dos analistas. “Quando caiu o muro de Berlim, os analistas afirmavam que era uma questão de meses para a revolução acabar. Pelo contrário, perdurou e os cubanos estão há 19 anos nesse sistema”, lembra Morais. “Eles tinham contratos econômicos importantes com a União Soviética. Eles faziam permuta com aquele país. O bagaço de cana cubano servia para alimentar o gado na Alemanha e, em troca, eles enviavam leite em pó”, revela. “O último carregamento foi no dia em que o muro de Berlim caiu e o navio retornou naquela noite”, complementa. “Eles passaram maus bocados, penaram muito, mas até hoje você não vê criança descalça na rua e nem com fome”, afirma.

Fernando Moraes lembrou que no aeroporto de Cuba existe uma placa com a seguinte frase: “Esta noite, 200 milhões de crianças vão dormir na rua. Nenhuma é cubana”. O Brasil tem um orçamento 100 vezes maior que Cuba e a população passa fome. Nos Estados Unidos, pessoas dormem em caixas de papelão nas ruas. Eu morei dois anos na França e debaixo dos viadutos por onde passa o Rio Sena, as pessoas se amontoam em barracas para dormir durante a noite. No Japão também tem gente mendigando na rua”, argumenta o jornalista e escritor. Segundo ele, em Cuba o PIB é praticamente insignificante, por isso é um orgulho ter o melhor sistema de saúde, educação (0% de analfabetos) e as mais baixas taxas de mortalidade do mundo.

“Alguns dizem: é um ditador, está há 50 anos no poder. Agora pergunte aos cubanos se eles querem o capitalismo?”, comenta Morais. “Na Rússia, o capitalismo abriu espaço para as máfias. É um capitalismo mafioso”, disse. De acordo com o escritor, a força de Cuba se tornou um valor especial se considerar que a ilha está a 160 quilômetros dos Estados Unidos. “Não precisa de bomba atômica. Uma coisa é uma revolução investindo toda energia na revolução; a outra, é unir todos os esforços para manter o regime. Se isso não acontecesse, Cuba seria o puteiro dos americanos”. Em relação a biografia Duas Vozes, contando a trajetória de Fidel Castro, escrita pelo jornalista franco-espanhol, Ignácio Ramonet, o escritor usa o termo: “é uma beleza”. “ É um livro muito interessante, porque também tem perguntas e respostas e você lê o que assunto que mais te interessar”. Sobre ter escrito ele mesmo a biografia de Fidel, Morais responde: “Nunca tentei fazer a biografia de Fidel, porque com o passar do tempo ele se tornou muito conhecido e foi alvejado por muitos jornalistas. Então não me animei”, disse.

O jornalista e escritor lembra do dia em que viajou com Fidel, na época em que revolução stalinista fez aniversário de um ano. “Ele me deu carona no avião, porque eu queria ir para Manágua entrevistar o Arafat. Quando chegamos na cidade, o Frei Beto estava lá e apresentou o Lula para o Fidel. Eu presenciei esse encontro”, revela. A última vez que o escritor esteve com Fidel foi em 2006. “Da última vez que estive lá levei uma caixa de guaraná diet e ganhei uma garrafa de rum de 50 anos”, comenta. “Ele é muito simpático, amável e se você disser: “sou de São Sebastião. Ele vai responder: onde tem o terminal da Petrobras?”. “Realmente ele é o único mito vivo”, encerra Morais.

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