Ia deixar pra falar sobre isso mais pra frente, até porque tenho postado muitos temas autobiográficos neste pós-eleição.
Acontece que quero divulgar um show que vai rolar no Villaggio amanhã, cujos artistas são protagonistas de um fundamental capítulo na minha existência.
Então, lá vai:
Paulinho Santiago (ex-Paulinho Rock'n Roll) e
Hamilton Moreno são cantores, compositores e violonistas. Já quarentões, ainda vivem de música, aqui e ali. Paulinho mora em Floripa e toca na noite por lá. Hamilton há bem pouco tempo ainda era vocalista da
Havana Brasil, dissidentes dos famosos
Heartbreakers, salseiros que, anos atrás, animavam as quartas do Avenida Clube e que, por sua vez, são originários da banda
Sossega Leão, da década de 1980.
No entanto, entre os anos de 1982 e 1995, o palco preferido da dupla ficava no bairro do Bixiga, na Rua Santo Antonio, quase esquina com Treze de Maio.
Mais precisamente, no bar "Porque Hoje é Sábado"
.
Ali, eram sucesso garantido, dividindo as atenções com outro ídolo do local, o cabeludo Cacá, que morreu no ano passado.
Parceiros em dezenas de canções, Paulinho e Hamilton emplacaram algumas delas no "
Porque..." como verdadeiros hinos:
Santo Antonio com Treze de Maio,
Dama da Noite,
Loucos são Vocês e
Domínio (que faz parte do CD
Villaggio Café 10 anos) eram cantadas de cor pelos freqüentadores habituais do bar.
Dentre eles, eu.
O Bixiga de vinte anos atrás equivaleria à Vila Madalena de hoje, em termos de charme e badalação. Porém numa área muito menor e - detalhe importante - sem mauricinhos.
Basicamente era a Rua Treze de Maio, cheia de bares e com tanta gente circulando - artistas, jornalistas, cineastas, escritores, estudantes e baladeiros em geral, ao lado de
junkies, metaleiros e bichos-grilos - que impediam os carros de andar. Parecia avenida da praia em pleno verão, um clima tão espetacularmente boêmio que muitos chamavam o bairro de "Quartier Latin Brasileiro". Na Treze fizeram história o Café Soçaite, o Piu Piu (tá lá ainda), o Café do Bixiga (idem), o Personna, o Cineclube Bixiga, a Livraria do Bixiga e, alguns anos mais tarde, o Dom Quixote, o Café Pequeno, o Café Aurora e o Cosa Nostra.
A concorrente, quase paralela, Rua Santo Antonio abrigava o Boca da Noite, o Chopp Hauss, o Café Brasil e, no número 1.015, o "
Porque..".
Fui parar ali por acaso. Em 1982, a passeio na Capital, conheci o fervilhante bairro e me fascinei por alguns de seus bares, em especial o Café Brasil. Nele tocavam Hamilton e Paulinho e, a cada vinda a SP, lá estava eu. Em 1985, ao me mudar definitivamente pra cá, virei
habituée.
No entanto, entre idas e vindas, numa fria noite de 1986 após um jogo da Copa do Mundo, dei com a cara na porta, não sabia que iria estar fechado. Lobo solitário, com poucas opções naquele momento, atravessei a rua e, arriscando, entrei num barzinho rústico, escuro e de decoração bem simples. Recebido com simpatia pelo dono, acomodei-me numa mesa de canto e ali fiquei até fechar, bebendo e ouvindo os músicos da casa.
Não poderia imaginar que, a partir dessa noite, minha vida mudaria pra sempre.
No final de semana seguinte, voltei. E voltei dezenas de outras vezes, até perceber que não tinha vontade de ir a mais bar nenhum. Toda sexta e sábado, sem falhar, lá estava eu, da hora de abrir até fechar" - sempre por volta das quatro, às vezes cinco da manhã.
Batendo ponto, me enturmei e todas as minhas namoradas e amigos surgiam naquele pedaço, além de levar pra lá o meu povo (alô Ricardo, Roselly, pessoal da Sete de Abril...). No
Porque conheci a Rozana, final de 1988, e a Natália, saudosa comadre; a Dulce, a Márcia Peixoto, o Ciro, o Amin, o Ageu, o Guiné e tantos mais.
O "
Porque..." era um vício para muitos. Sempre lotado, tinha um astral contagiante e músicos de primeira.

Fiquei tão ligado a ele que acabei virando sócio - de 1990 até 1996 (alô família
De Lucca: Paulo, Sônia e Lurdinha...!).
Curiosamente, no entanto, nesse período o mundo começou a mudar radicalmente. Os tempos românticos e boêmios foram invadidos por coisas estranhas chamadas
computador,
celular,
internet,
axé-music,
games,
esportes radicais,
jabás. O público foi diminuindo, mudando de interesses. Com isso, a situação complicou financeiramente e a mágica cessou de vez. Com o movimento já muito fraco, num esforço final a Rô comprou a parte dos meus sócios e a gente mudou o nome para "Quase Acústico". Em 1996, apareceram uns malucos interessados e - já sobrecarregados pelo Villaggio - optamos por vendê-lo.
Nunca mais o Bixiga foi o mesmo. Nem o mundo, nem a música. Nem nós.
Tudo mudou e Paulinho da Viola já disse: "meu tempo é hoje". Certo, mestre; ainda assim, isso não impede de vivermos alguns
flash-backs de vez em quando: depois de oito anos sem tocar juntos, Paulinho e Hamilton vão se reencontrar, desta vez no palco do Villaggio (onde mais poderia ser?).
As três comunidades do bar no Orkut já estão avisadas. Vários amigos da época devem aparecer. Será?...Bom, mesmo que não venha ninguém, eu e a Rô estaremos na primeira fila.
Se quiserem entender um pouco do que digo, estão convidados. Amanhã, 14 de novembro, 21 horas.
Ah, sim: o nome do bar homenageava o poema do Vinícius, claro. Parte dele foi pintada na parede, acima do palco. Aqui vai ela:
Dia da Criação
Vinicius de Moraes
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.